segunda-feira, 23 de abril de 2012

As ilustrações de Laura Costa no Dia Mundial do Livro

O Dia Mundial do Livro, foi instituído pela UNESCO em 1996, em honra de Miguel de Cervantes, escritor espanhol (n. 1547) e William Shakespeare, dramaturgo, poeta e actor inglês (n. 1564), que faleceram em 23 de Abril de 1606.

Neste dia, partilho o conto “ Os Três Irmãos”, adaptado de um conto popular por Fernando de Castro Pires de Lima (1908-1973) e ilustrado por Laura Costa (1910-1992). Integra um dos livros de “Contos para Crianças”, que li quando era menina.

Ilustração de Laura Costa

Havia em tempos que já lá vão um homem muito rico que tinha mulher e três filhos. Passados anos, já muito velho, a morte veio buscá-lo. Nesse mesmo dia o filho mais novo declarou que precisava de dinheiro e, como o pai deixara uma grande fortuna, exigiu que fosse repartida imediatamente.
Os irmãos, indignados, disseram: 
- Não tens vergonha de tomares uma atitude tão indigna? Não vês que o pai ainda morreu há poucas horas e já insistes na divisão dos seus bens? 
Como o irmão continuasse a reclamar, o mais velho entregou-lhe as chaves da casa e disse-lhe que fosse ver, aposento por aposento, o que na realidade havia para dividir. 
Na posse das chaves, abriu todas as portas e verificou com os seus próprios olhos tudo quanto o pai deixara, não lhe passando despercebido nem o dinheiro, nem as jóias, nem os móveis. Ao entrar nas águas-furtadas, encontrou um garrafão que tinha uma rolha de ouro maciço. O rapaz, muito admirado, disse para consigo: 
«Estou verdadeiramente espantado com as coisas maravilhosas que meu pai tinha em seu poder.» Sem o menor escrúpulo, escondeu debaixo do soalho a rolha de ouro. Depois voltou para junto dos irmãos e novamente insistiu que precisava da parte que lhe era devida e no mais curto espaço de tempo.

Ilustração de Laura Costa

Os irmãos não tiveram outro remédio senão repartir a herança e, quando foram ao sotão, reparando que o garrafão já não tinha a rolha, declararam intrigados:
- Mas o garrafão tinha uma rolha de ouro! 
O irmão mais novo, com o maior desplante, respondeu ao mais velho: 
- Não serias tu quem a teria levado? 
O irmão, furioso, jurou que não era capaz de roubar fosse o que fosse. 
O mais novo, voltando-se para o outro irmão, retorquiu: 
- Não tendo sido o nosso irmão mais velho o autor da proeza, foste tu com certeza quem roubou a preciosa rolha de ouro! 
Este rejeitou a insinuação com a maior energia e, voltando-se para o irmão mais novo, disse: 
- O ladrão foste tu e pretendes deitar a culpa sobre nós. Tu hás-de ser sempre o mesmo! 
O irmão mais novo jurou por tudo que não tinha roubado a rolha de ouro. Como o caso não tinha solução, resolveram procurar o rei, que era um homem cheio de sabedoria, e ver se ele seria capaz de resolver o assunto. O rei recebeu os três irmãos e ouviu com toda a atenção a descrição do desaparecimento da rolha de ouro. O soberano, calmamente, mandou-os sentar e disse que lhes ia contar uma história, que deviam ouvir com toda a atenção:

Ilustração de Laura Costa

« Havia um mercador muito rico que tinha uma filha de quem gostava. Quando o pai morreu, ela sofreu tanto que deixou de comer e de dormir. Um dia, várias pessoas amigas foram visitá-la, ficaram muito impressionadas com o aspecto da menina e perguntaram à mãe:
« - Que tem a sua filha que está tão triste?  
« A mãe informou: 
« - Ando preocupadíssima com a sua saúde, pois, desde que o pai morreu, nunca mais foi a mesma e definha de dia para dia. 
« As amigas aconselharam a mãe a distraí-la, a sair com ela todas as tardes, para que visse gente e se entretivesse com as montras dos estabelecimentos. A mãe assim fez. Todas as tardes ia com a filha dar longos passeios. 
« Aconteceu que duma vez perdeu a menina. Por mais que a procurasse, não a encontrou e ficou aflitíssima. A menina, como anoitecesse e se visse num caminho muito escuro, ficou cheia de medo. Ao ver ao longe uma luz, dirigiu-se para lá e verificou que era uma loja onde trabalhava um sapateiro. 
« Este, ao vê-la, disse-lhe: 
« - Como é possível uma menina tão rica e tão bonita andar a estas horas por uma rua destas? 
« - Perdi-me e não sei o caminho!

Ilustração de Laura Costa

« Então o sapateiro declarou que a acompanharia a casa, se ela prometesse casar com ele. A pobre menina, transida de medo, disse-lhe que sim e o homem deu-lhe a mão e levou-a a casa. A mãe, que chorava em altos gritos, quando a viu ficou doida de alegria e foi buscar uma bolsa cheia de dinheiro para gratificar o sapateiro. Este recusou e disse:
« - Já estou pago do favor que fiz! 
« Voltaram a aparecer as pessoas amigas e inquiriram como estava a menina.  
« A mãe contou-lhes tudo o que se tinha passado no dia em que perdera a filha e o desgosto que sofrera. 
« As amigas aconselharam-na a que casasse a menina. E, como tinha uma grande fortuna, não lhe faltaram pretendentes. Prometeram ainda encarregar-se de lhe conseguirem um noivo de categoria. 
« A mãe replicou que estava por tudo o que fosse para bem da filha. Imediatamente partiram em busca do futuro marido para a menina. 
« Dias depois trouxeram um belo rapaz, simpático e inteligente, que ao ver a menina, ficou encantado. Em pouco tempo foi anunciado o dia do casamento. Mas, à hora da cerimónia, a menina, sem dizer nada a ninguém e lavando consigo cem mil réis, foi a casa do sapateiro. Este, ao vê-la, ficou admirado e perguntou-lhe:

Ilustração de Laura Costa

« - Que fazes aqui? 
« - Venho cumprir a minha promessa! 
« O sapateiro sorriu-se, felicitou-a pela sua atitude e aconselhou-a a que fosse imediatamente ter com o noivo que já estava na igreja à sua espera. Quanto aos cem mil réis, declarou-lhe que tinha muito gosto em lhos oferecer como prenda de noivado. 
« - E tu bem os mereces, porque és uma menina cheia de dignidade. O que desejo é que sejas muito feliz com o noivo que te coube em sorte! 
« No regresso, a menina foi assaltada por dois ladrões. Só conseguiu escapar depois de lhes ter dado os cem mil réis que trazia e um rico colar de pérolas.» 
Nesta altura, o rei voltou-se para o irmão mais velho e disse-lhe: 
- Se tu encontrasses num sítio deserto uma noiva com um rico colar de pérolas e uma nota de cem mil réis, que é que fazias?  
- O mesmo que o sapateiro. Mandava-a ir ter imediatamente com o noivo.

Ilustração de Laura Costa 
A seguir perguntou ao irmão do meio:
- E tu que atitude tomarias em caso idêntico? 
- Faria o mesmo que o sapateiro! 
Finalmente dirigiu-se ao mais novo e fez-lhe a mesma pergunta. 
Ele respondeu sem a mínima hesitação: 
- Eu tirava-lhe o colar de pérolas e a nota de cem mil réis!O rei concluiu: 
- Foste tu quem roubou a rolha de ouro do garrafão. Vai buscá-la, para que eu divida equitativamente a herança. E tu, para futuro, modifica o teu carácter, porque, caso contrário, acabarás mal. Tenho a certeza de que não voltarás a repetir tão feia acção.

 
Lima, Fernando, Os três irmãos e outros contos para crianças. Porto: Majora.

Fernando de Castro Pires de Lima (Porto, 10 de Junho de 1908 - Porto, 3 de Janeiro de 1973), foi um médico, escritor e etnógrafo português. Escreveu um vasto número de obras.
Laura Costa (Porto, 1910 - Porto, 1992), foi uma das mais produtivas ilustradoras de livros para crianças e de costumes tradicionais portugueses da década de quarenta.

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