Fernando Pessoa, 1914 |
Fernando António Nogueira Pessoa, foi um dos maiores poetas da Língua Portuguesa. Nasceu a 13 de Junho de 1888, no Largo de São Carlos, em Lisboa. O pai, Joaquim de Seabra Pessoa, natural de Lisboa, para além de funcionário público, era crítico musical no Diário de Notícias. A mãe, Maria Madalena Pinheiro Nogueira, natural dos Açores (Ilha Terceira), beneficiou de uma refinada educação.
O baptismo de Fernando Pessoa, foi celebrado na Igreja dos Mártires (Chiado), no dia 21 de Julho de 1888. A escolha do nome homenageia Santo António, nome de baptismo Fernando de Bulhões, festejado em Lisboa a 13 de Junho - no poema "Praça da Figueira", o poeta fala sobre "o meu santo".
"Santo António"
Nasci exactamente no teu dia -
Treze de Junho, quente de alegria,
Citadino, bucólico e humano
Onde até esses cravos de papel
Que têm uma bandeira em pé quebrado
Sabem rir...
Santo dia profano
Cuja luz sabe a mel
Sobre o chão de bom vinho derramado!
Santo António, és portanto
O meu santo,
Se bem que nunca me pegasses
Teu franciscano sentir,
Católico, apostólico e romano.
(Reflecti.
Os cravos de papel creio que são
Mais propriamente, aqui,
Do dia de S. João...
Mas não vou escangalhar o que escrevi.
Que tem um poeta com a precisão?)
Adiante. . . Ia eu dizendo, Santo António,
Que tu és o meu santo sem o ser.
Por isso o és a valer,
Que é essa a santidade boa,
A que fugiu deveras ao demónio.
És o santo das raparigas,
És o santo de Lisboa,
És o santo do povo.
Tens uma auréola de cantigas,
E então
Quanto ao teu coração —
Está sempre aberto lá o vinho novo.
Nasci exactamente no teu dia -
Treze de Junho, quente de alegria,
Citadino, bucólico e humano
Onde até esses cravos de papel
Que têm uma bandeira em pé quebrado
Sabem rir...
Santo dia profano
Cuja luz sabe a mel
Sobre o chão de bom vinho derramado!
Santo António, és portanto
O meu santo,
Se bem que nunca me pegasses
Teu franciscano sentir,
Católico, apostólico e romano.
(Reflecti.
Os cravos de papel creio que são
Mais propriamente, aqui,
Do dia de S. João...
Mas não vou escangalhar o que escrevi.
Que tem um poeta com a precisão?)
Adiante. . . Ia eu dizendo, Santo António,
Que tu és o meu santo sem o ser.
Por isso o és a valer,
Que é essa a santidade boa,
A que fugiu deveras ao demónio.
És o santo das raparigas,
És o santo de Lisboa,
És o santo do povo.
Tens uma auréola de cantigas,
E então
Quanto ao teu coração —
Está sempre aberto lá o vinho novo.
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Fernando Pessoa
Praça da Figueira
09-06-1935 (aqui, Casa Fernando Pessoa)
Retrato de Fernando Pessoa, óleo sobre tela, 1964. Pintura José de Almada Negreiros - FCG, Centro de Arte Moderna, Lisboa |
O pai faleceu em 1893, com 43 anos, vítima de tuberculose. Fernando tinha apenas cinco anos - a primeira quadra "À minha mamã", foi escrita aos sete anos de idade. Em 1895, dois anos após o falecimento do seu pai, a mãe casou-se pela segunda vez, por procuração, com o comandante João Miguel Rosa, cônsul de Portugal em Durban, África do Sul. Em razão do casamento, Pessoa viajou com a mãe para Durban, no ano seguinte. Em África, onde passou a maior parte da juventude (1896-1905) e fez os seus estudos em escolas inglesas (High School), Pessoa viria a receber o Prémio Rainha Victoria, em 1904.
"À minha mamã"
Eis-me aqui em Portugal
Nas terras onde eu nasci
Por muito que goste delas
Ainda gosto mais de ti.
Fernando Pessoa
26-07-1895 (aqui, Casa Fernando Pessoa)
Ao longo da sua vida, trabalhou fazendo traduções e redacções de cartas em inglês e francês, para firmas portuguesas com negócios no estrangeiro.
"Meia-Noite"
As louras e pálidas crianças
—Dlon...
Desprendem a chorar suas tranças
— Dlon...
Quem nos dirá donde é esse pranto
—Dlon...
Sabê-lo tirar-lhe-ia o encanto
—Dlon...
Que fique sempre como elas vago
—Dlon...
Folha caída à tona do lago
—Dlon...
Que nos inspire e o não percebamos
— Dlon...
Que só se sinta em nós que o amamos
—Dlon...
Que seja para nós som de fonte
— Dlon...
Que seja o mistério do horizonte
—Dlon...
Tristeza que dorme em vale e monte
Dlon...
Tristeza vaga, dor, vago som
Dlon...
—Dlon...
Desprendem a chorar suas tranças
— Dlon...
Quem nos dirá donde é esse pranto
—Dlon...
Sabê-lo tirar-lhe-ia o encanto
—Dlon...
Que fique sempre como elas vago
—Dlon...
Folha caída à tona do lago
—Dlon...
Que nos inspire e o não percebamos
— Dlon...
Que só se sinta em nós que o amamos
—Dlon...
Que seja para nós som de fonte
— Dlon...
Que seja o mistério do horizonte
—Dlon...
Tristeza que dorme em vale e monte
Dlon...
Tristeza vaga, dor, vago som
Dlon...
Fernando Pessoa
Fernando Pessoa era reservado e solitário por natureza, no entanto, manteve convívio com algumas das mais notáveis figuras da literatura portuguesa. Frequentava os cafés "A Brasileira" e o "Martinho da Arcada", onde se encontrava com os amigos, como Mário de Sá-Carneiro, Santa-Rita Pintor e Almada Negreiros. Respeitado como intelectual e como poeta, publicou regularmente a sua obra literária em verso e em prosa. Publicou "35 Sonnets" (em inglês), 1918; "English Poems I-II" e "English Poems III" (em inglês também), 1922. Entre 1912 e 1934, colaborou como ensaísta e crítico literário na revista A Águia, do Porto, dirigiu a revista literária Orpheu, lançou a revista Athena, colaborou na Contemporânea, na Presença, no Diário de Lisboa e no Tempo. O livro "Mensagem", 1934, foi premiado pelo "Secretariado de Propaganda Nacional" na categoria Poema. Fernando
Pessoa foi um líder activo do modernismo em Portugal, inventando também
outros movimentos de inspiração cubista e semi-futurista.
"Gato que brincas na rua"
Gato que brincas na rua
Como se fosse na cama,
Invejo a sorte que é tua
Porque nem sorte se chama.
Bom servo das leis fatais
Que regem pedras e gentes,
Que tens instintos gerais
E sentes só o que sentes.
És feliz porque és assim,
Todo o nada que és é teu.
Eu vejo-me e estou sem mim,
Conheço-me e não sou eu.
Como se fosse na cama,
Invejo a sorte que é tua
Porque nem sorte se chama.
Bom servo das leis fatais
Que regem pedras e gentes,
Que tens instintos gerais
E sentes só o que sentes.
És feliz porque és assim,
Todo o nada que és é teu.
Eu vejo-me e estou sem mim,
Conheço-me e não sou eu.
Fernando Pessoa
Janeiro de 1931 (aqui, Casa Fernando Pessoa)
Fernando Pessoa-Heterónimo, óleo sobre tela,1978. Pintura de António Costa Pinheiro - FCG, Centro de Arte Moderna, Lisboa |
Óculos do Poeta Álvaro de Campos - Heterónimo de Fernando Pessoa, óleo sobre tela, 1980 - FCG, Centro de Arte Moderna, Lisboa |
Em
Novembro de 1919, Fernando Pessoa conheceu Ofélia Queiróz - que viria a ser sua namorada - na firma
Félix, Valladas & Freitas, Lda., onde ambos trabalhavam.
Após
a morte (1919) do segundo marido da mãe de Fernando Pessoa, esta
regressa a Lisboa. A família vai morar para um andar alugado por Pessoa,
na Rua Coelho da Rocha, nº 16 (hoje Casa Fernando Pessoa), em Lisboa, onde o poeta viveria até à sua morte.
Depois de morar em quartos alugados, durante uma grande parte da sua vida, Pessoa teve a
família reunida de novo - ele, a mãe, que morreu em 1925, a meia irmã e
os dois meios irmãos.
" Todas as cartas de amor são / Ridículas"
Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.
Álvaro de Campos
21-10-1935 (aqui, Casa Fernando Pessoa)
Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.
Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.
As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.
Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.
Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.
A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.
(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)
Como as outras,
Ridículas.
As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.
Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.
Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.
A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.
(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)
Álvaro de Campos
Fernando Pessoa, marcador e colagem sobre papel vegetal, 1983. Desenho de Júlio Pomar - FCG, Centro de Arte Moderna, Lisboa |
Fernando Pessoa e Almada Negreiros, marcador sobre papel vegetal, 1983. Desenho de Júlio Pomar - FCG, Centro de Arte Moderna, Lisboa |
O poeta Fernando Pessoa, água-forte e água-tinta sobre papel, 1984. Gravura de Bartolomeu Cid dos Santos. - FCG, Centro de Arte Moderna, Lisboa |
No decorrer dos anos, Fernando Pessoa acumulou milhares de escritos, como, contos, traduções, poesia, peças de teatro, horóscopos, em Inglês, Português e Francês. Na sua escrita utilizou diferentes suportes, folhas soltas, cadernos, sobrescritos, panfletos... Ao longo da sua breve vida como poeta, Pessoa desdobrou-se em múltiplas personalidades poéticas - Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis - conhecidas como heterónimos, facultando-lhes personalidade, características físicas, opções políticas, profissão, biografia...
No dia 21
de Outubro de 1935, escreve "Todas as cartas de amor são /Ridículas, último poema datado do seu heterónimo Álvaro de Campos.
Há doenças piores que as doenças,
Há dores que não doem, nem na alma,
Mas que são dolorosas mais que as outras.
Há angústias sonhadas mais reais
Que as que a vida nos traz, há sensações
Sentidas só com o imaginá-las
Que são mais nossas do que a nossa vida.
Há tanta cousa que, sem existir,
Existe, existe demoradamente,
E demoradamente é nossa e nós…
Por sobre o verdor turvo do amplo rio
Os circunflexos brancos das gaivotas…
Por sobre a alma o adejar inútil
Do que não foi, nem pôde ser, e é tudo.
Dá-me mais vinho, porque a vida é nada.
Fernando Pessoa
19-11-1935 (aqui, Casa Fernando Pessoa)Fernando Pessoa, mármore branco de Estremoz. Escultura de Francisco Simões - Parque dos Poetas, Oeiras |
Sonho de Fernando Pessoa, Debaixo de uma Latada numa Tarde de Verão, tinta acrílica sobre tela, 1982. Pintura de António Dacosta - FCG, Centro de Arte Moderna, Lisboa |
Fernando Pessoa, bronze, 2005. Escultura de Lagoa Henriques. Café "A Brasileira", Lisboa |
"Se depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia"
Se depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia,
Não há nada mais simples
Tem só duas datas — a da minha nascença e a da minha morte.
Entre uma e outra cousa todos os dias são meus.
Sou fácil de definir.
Vi como um danado.
Amei as coisas sem sentimentalidade nenhuma.
Nunca tive um desejo que não pudesse realizar, porque nunca ceguei.
Mesmo ouvir nunca foi para mim senão um acompanhamento de ver.
Compreendi que as coisas são reais e todas diferentes umas das outras;
Compreendi isto com os olhos, nunca com o pensamento.
Compreender isto com o pensamento seria achá-las todas iguais.
Um dia deu-me o sono como a qualquer criança.
Fechei os olhos e dormi.
Além disso, fui o único poeta da Natureza
Alberto Caeiro (aqui Casa Fernando Pessoa)Não há nada mais simples
Tem só duas datas — a da minha nascença e a da minha morte.
Entre uma e outra cousa todos os dias são meus.
Sou fácil de definir.
Vi como um danado.
Amei as coisas sem sentimentalidade nenhuma.
Nunca tive um desejo que não pudesse realizar, porque nunca ceguei.
Mesmo ouvir nunca foi para mim senão um acompanhamento de ver.
Compreendi que as coisas são reais e todas diferentes umas das outras;
Compreendi isto com os olhos, nunca com o pensamento.
Compreender isto com o pensamento seria achá-las todas iguais.
Um dia deu-me o sono como a qualquer criança.
Fechei os olhos e dormi.
Além disso, fui o único poeta da Natureza
Fernando Pessoa, painel de azulejos, 1990. Projecto do pintor Júlio Pomar. Fábrica de Cerâmica Viúva Lamego. (Réplica de uma parte do revestimento da Estação de Metro de Alto dos Moinhos) - Museu Nacional do Azulejo |
Mural Pessoa, tecido de algodão estampado, com um mural em azulejo representando o poeta Fernando Pessoa, e uma das suas frases: "Nós somos o tecido de que são feitos os sonhos". Padrão concebido para a decoração do Cacilheiro que a artista plástica Joana Vasconcelos transformou no pavilhão de Portugal, na Bienal de Veneza, 2013. - Vidal |
Jaz morto e arrefece o menino de sua mãe, 1973, escultura de Clara Menéres - Dove's taste of the day |
" O menino de sua mãe"
Que a morna brisa aquece,
De balas traspassado —
Duas, de lado a lado —,
Jaz morto, e arrefece.
Raia-lhe a farda o sangue.
De braços estendidos,
Alvo, louro, exangue,
Fita com olhar langue
E cego os céus perdidos.
Tão jovem! que jovem era!
(Agora que idade tem?)
Filho único, a mãe lhe dera
Um nome e o mantivera:
"O menino da sua mãe".
Caiu-lhe da algibeira
A cigarreira breve.
Dera-lhe a mãe. Está inteira
E boa a cigarreira.
Ele é que já não serve.
De outra algibeira, alada
Ponta a roçar o solo,
A brancura embainhada
De um lenço... Deu-lho a criada
Velha que o trouxe ao colo.
Lá longe, em casa, há a prece:
"Que volte cedo, e bem!"
(Malhas que o Império tece!)
Jaz morto, e apodrece,
O menino da sua mãe
Fernando Pessoa
Maio de 1926 (aqui Casa Fernando Pessoa)
Vestido feminino,com retrato do poeta Fernando Pessoa , seda branca, vidrilhos pretos e lantejoulas pretas. Doação de José Carlos, 1986 - Museu Nacional do Traje e da Moda |
Carta a Ofélia Queiroz - 23 de Maio de 1920
Meu Bebezinho pequeno:
Hoje, depois de passar na tua rua, e de te ver, voltei atrás para te perguntar uma coisa; mas tu não apareceste.
O que te queria perguntar era o que fazias amanhã, em vista da greve dos eléctricos, que naturalmente não dura só hoje. Não te dispões, com certeza a ir até Belém a pé? O melhor é escreveres para Belém ao dono da fábrica, explicando porque razão — aliás evidente — tu não vais. Além de ser uma distância enorme para qualquer pessoa, é impossível para ti, que não és forte.
Acabo de escrever este parágrafo, e lembro-me que há comboios para Belém. Irás de comboio, Bebé. E onde tomas o comboio — em Santos, no apeadeiro? Talvez te seja difícil encontrar lugar ali, pois muita gente irá do Cais do Sodré — a gente que de manhã costuma encher os carros que vão na direcção de Belém, e que te torna difícil arranjar lugar de manhã.
Não sei o que faça, Bebezinho. Já perguntei aqui no Café Arcada, de onde te estou escrevendo, mas não sabem as horas dos comboios da linha de Cascais, nem têm horário.
Não quereria deixar de te ver, mas também não queria (pois amanhã tenho muito que fazer) perder tempo inutilmente indo procurar-te ou esperar-te a qualquer ponto onde não estejas, ou por onde não passes.
Escreve-me amanhã dizendo qualquer coisa, mas não esquecendo que tenho os dias muito ocupados.
Seja como for, passo amanhã na tua rua, ou às 10 para as 10 1/4 da manhã, ou — o que é mais certo — às 7 1/2 da tarde .
Fica assim combinado, Bebé?
Isto, salvo complicações que haja e me impeçam de aparecer.
Muitos beijinhos do teu
Fernando
Aqui, Casa Fernando Pessoa
Fontes:
http://casafernandopessoa.cm-lisboa.pt/index.php?id=2233
https://pt.wikipedia.org/wiki/Fernando_Pessoa
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