O Dia Mundial do Livro, foi instituído pela UNESCO em 1996, em honra de Miguel de Cervantes, escritor espanhol (n. 1547) e William Shakespeare, dramaturgo, poeta e actor inglês (n. 1564), que faleceram em 23 de Abril de 1606.
Neste dia, partilho o conto “ Os Três Irmãos”, adaptado de um conto popular por Fernando de Castro Pires de Lima (1908-1973) e ilustrado por Laura Costa (1910-1992). Integra um dos livros de “Contos para Crianças”, que li quando era menina.
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Ilustração de Laura Costa |
Havia em tempos que já lá vão um homem muito rico que tinha mulher e três filhos. Passados anos, já muito velho, a morte veio buscá-lo. Nesse mesmo dia o filho mais novo declarou que precisava de dinheiro e, como o pai deixara uma grande fortuna, exigiu que fosse repartida imediatamente.
Os irmãos, indignados, disseram:
- Não tens vergonha de tomares uma atitude tão indigna? Não vês que o pai ainda morreu há poucas horas e já insistes na divisão dos seus bens?
Como o irmão continuasse a reclamar, o mais velho entregou-lhe as chaves da casa e disse-lhe que fosse ver, aposento por aposento, o que na realidade havia para dividir.
Na posse das chaves, abriu todas as portas e verificou com os seus próprios olhos tudo quanto o pai deixara, não lhe passando despercebido nem o dinheiro, nem as jóias, nem os móveis. Ao entrar nas águas-furtadas, encontrou um garrafão que tinha uma rolha de ouro maciço. O rapaz, muito admirado, disse para consigo:
«Estou verdadeiramente espantado com as coisas maravilhosas que meu pai tinha em seu poder.» Sem o menor escrúpulo, escondeu debaixo do soalho a rolha de ouro. Depois voltou para junto dos irmãos e novamente insistiu que precisava da parte que lhe era devida e no mais curto espaço de tempo.
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Ilustração de Laura Costa |
Os irmãos não tiveram outro remédio senão repartir a herança e, quando foram ao sotão, reparando que o garrafão já não tinha a rolha, declararam intrigados:
- Mas o garrafão tinha uma rolha de ouro!
O irmão mais novo, com o maior desplante, respondeu ao mais velho:
- Não serias tu quem a teria levado?
O irmão, furioso, jurou que não era capaz de roubar fosse o que fosse.
O mais novo, voltando-se para o outro irmão, retorquiu:
- Não tendo sido o nosso irmão mais velho o autor da proeza, foste tu com certeza quem roubou a preciosa rolha de ouro!
Este rejeitou a insinuação com a maior energia e, voltando-se para o irmão mais novo, disse:
- O ladrão foste tu e pretendes deitar a culpa sobre nós. Tu hás-de ser sempre o mesmo!
O irmão mais novo jurou por tudo que não tinha roubado a rolha de ouro. Como o caso não tinha solução, resolveram procurar o rei, que era um homem cheio de sabedoria, e ver se ele seria capaz de resolver o assunto. O rei recebeu os três irmãos e ouviu com toda a atenção a descrição do desaparecimento da rolha de ouro. O soberano, calmamente, mandou-os sentar e disse que lhes ia contar uma história, que deviam ouvir com toda a atenção:
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Ilustração de Laura Costa |
« Havia um mercador muito rico que tinha uma filha de quem gostava. Quando o pai morreu, ela sofreu tanto que deixou de comer e de dormir. Um dia, várias pessoas amigas foram visitá-la, ficaram muito impressionadas com o aspecto da menina e perguntaram à mãe:
« - Que tem a sua filha que está tão triste?
« A mãe informou:
« - Ando preocupadíssima com a sua saúde, pois, desde que o pai morreu, nunca mais foi a mesma e definha de dia para dia.
« As amigas aconselharam a mãe a distraí-la, a sair com ela todas as tardes, para que visse gente e se entretivesse com as montras dos estabelecimentos. A mãe assim fez. Todas as tardes ia com a filha dar longos passeios.
« Aconteceu que duma vez perdeu a menina. Por mais que a procurasse, não a encontrou e ficou aflitíssima. A menina, como anoitecesse e se visse num caminho muito escuro, ficou cheia de medo. Ao ver ao longe uma luz, dirigiu-se para lá e verificou que era uma loja onde trabalhava um sapateiro.
« Este, ao vê-la, disse-lhe:
« - Como é possível uma menina tão rica e tão bonita andar a estas horas por uma rua destas?
« - Perdi-me e não sei o caminho!
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Ilustração de Laura Costa |
« Então o sapateiro declarou que a acompanharia a casa, se ela prometesse casar com ele. A pobre menina, transida de medo, disse-lhe que sim e o homem deu-lhe a mão e levou-a a casa. A mãe, que chorava em altos gritos, quando a viu ficou doida de alegria e foi buscar uma bolsa cheia de dinheiro para gratificar o sapateiro. Este recusou e disse:
« - Já estou pago do favor que fiz!
« Voltaram a aparecer as pessoas amigas e inquiriram como estava a menina.
« A mãe contou-lhes tudo o que se tinha passado no dia em que perdera a filha e o desgosto que sofrera.
« As amigas aconselharam-na a que casasse a menina. E, como tinha uma grande fortuna, não lhe faltaram pretendentes. Prometeram ainda encarregar-se de lhe conseguirem um noivo de categoria.
« A mãe replicou que estava por tudo o que fosse para bem da filha. Imediatamente partiram em busca do futuro marido para a menina.
« Dias depois trouxeram um belo rapaz, simpático e inteligente, que ao ver a menina, ficou encantado. Em pouco tempo foi anunciado o dia do casamento. Mas, à hora da cerimónia, a menina, sem dizer nada a ninguém e lavando consigo cem mil réis, foi a casa do sapateiro. Este, ao vê-la, ficou admirado e perguntou-lhe:
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Ilustração de Laura Costa |
« - Que fazes aqui?
« - Venho cumprir a minha promessa!
«
O sapateiro sorriu-se, felicitou-a pela sua atitude e aconselhou-a a
que fosse imediatamente ter com o noivo que já estava na igreja à sua
espera. Quanto aos cem mil réis, declarou-lhe que tinha muito gosto em
lhos oferecer como prenda de noivado.
« - E tu bem os mereces, porque és uma menina cheia de dignidade. O que desejo é que sejas muito feliz com o noivo que te coube em sorte!
« No regresso, a menina foi assaltada por dois ladrões. Só conseguiu escapar depois de lhes ter dado os cem mil réis que trazia e um rico colar de pérolas.»
Nesta altura, o rei voltou-se para o irmão mais velho e disse-lhe:
- Se tu encontrasses num sítio deserto uma noiva com um rico colar de pérolas e uma nota de cem mil réis, que é que fazias?
- O mesmo que o sapateiro. Mandava-a ir ter imediatamente com o noivo.
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Ilustração de Laura Costa |
A seguir perguntou ao irmão do meio:
- E tu que atitude tomarias em caso idêntico?
- Faria o mesmo que o sapateiro!
Finalmente dirigiu-se ao mais novo e fez-lhe a mesma pergunta.
Ele respondeu sem a mínima hesitação:
- Eu tirava-lhe o colar de pérolas e a nota de cem mil réis!O rei concluiu:
- Foste tu quem roubou a rolha de ouro do garrafão. Vai buscá-la, para que eu divida equitativamente a herança. E tu, para futuro, modifica o teu carácter, porque, caso contrário, acabarás mal. Tenho a certeza de que não voltarás a repetir tão feia acção.
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Lima, Fernando, Os três irmãos e outros contos para crianças. Porto: Majora. |
Fernando de Castro Pires de Lima (Porto, 10 de Junho de 1908 - Porto, 3 de Janeiro de 1973), foi um médico, escritor e etnógrafo português. Escreveu um vasto número de obras.
Laura Costa (Porto, 1910 - Porto, 1992), foi uma das mais produtivas ilustradoras de livros para crianças e de costumes tradicionais portugueses da década de quarenta.
Laura costa morreu no Porto na sua ResidencIA em outubro de 1993
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