sexta-feira, 3 de julho de 2015

Maria Barroso: uma vida intensa

Maria Barroso. Modas e Bordados, suplemento nº 1777 - 27 de Fevereiro de 1946 (arquivo "comjeitoearte")

Maria de Jesus Simões Barroso Soares (Olhão, 2 de Maio de 1925) viveu intensamente. Foi actriz, declamadora, professora, activista política e defensora dos Direitos Humanos. Entrou no curso de Arte Dramática do Conservatório Nacional com 15 anos de idade. Trabalhou afincadamente, terminou o curso do Conservatório e ingressou no teatro. No ano de 1944, estreia-se no Teatro Ginásio na peça Sua Excelência, o Ladrão. Neste mesmo ano, ingressa como actriz contratada na Companhia Rey Colaço - Robles Monteiro, sedeada no Teatro Nacional D. Maria II, onde representa o Auto da Pastora Perdida e da Velha Gaiteira. Aos vinte anos, inicia o curso de Ciências Histórico-Filosóficas na Faculdade de Letras de Lisboa, continuando, porém, a representar no Teatro Nacional durante quatro anos. É demitida do teatro por ordem da polícia, pelas suas posições políticas, no ano de 1948. Um ano depois, casa com Mário Soares, ele próprio um resistente ao Estado Novo. O seu primeiro filho, João Soares, nasce em 1949. Dois anos depois nasce a filha Isabel Soares.


Maria Barroso. Modas e Bordados, suplemento  nº 1872 - 24 de Dezembro de 1947 (arquivo "comjeitoearte")

Atravessou  as décadas de 40 a 70 do século  XX, do regime ditatorial do Estado Novo (1933-1974) à Revolução do 25 de Abril de 1974, fazendo oposição a Salazar e Marcelo Caetano, em defesa da liberdade, pelo que correu  sérios riscos. Com a democracia, foi eleita deputada à Assembleia da República, nas legislaturas entre 1976 e 1983. Enquanto Mulher do Presidente da República (1986-1996) - primeira-dama de Portugal -, empenhou-se na defesa da Paz, dos Direitos Humanos, da educação, família e mulheres. Desenvolveu actividades de apoio à  integração de deficientes e prevenção da violência.


Maria Barroso. Foto: Victor Freitas - Revista Caras

Nos últimos 17 anos, Maria Barroso continuou a dedicar-se a muitas causas humanitárias e a intervir activamente na vida cultural do nosso país, com a dedicação e força interior que sempre a caracterizou. É sócio-fundadora e presidente do Conselho de Administração da ONGD Pro Dignitate - Fundação de Direitos Humanos, desde 1994. Presidiu à Cruz Vermelha Portuguesa entre 1997 e 2003. Foi distinguida com o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade de Aveiro (1996), pela Universidade de Lisboa (1999) e pelo Lesley College (1994). Recebeu diversos prémios e condecorações em Portugal e no estrangeiro, entre eles a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade de Portugal a 7 de Março de 1997 e a Grã-Cruz Honorária da ordem Real de Santa Isabel de Portugal a 3 de Julho de 2002. 


Maria Barroso no "Auto da Pastora Perdida". Modas e Bordados, suplemento nº 1777 - 27 de Fevereiro de 1946 (arquivo "comjeitoearte")

Nas entrevistas concedidas à revista “Modas e Bordados”  (1946 e 1947), Maria Barroso revela traços da sua personalidade e alguns conceitos de liberdade.

Na revista "Modas e Bordados", nº 1777 de 27 de Fevereiro de 1946, a jornalista Hortense Almeida escreve: 

Não se pode falar com Maria Barroso sem se simpatizar incondicionalmente com a artista. (...) Esta rapariga sai da generalidade das raparigas de hoje – mostra-se inteligente, sóbria, talentosa, culta e modesta. Estes cinco predicados raros, aliados ao amor pela arte, são o essencial para fazer dela uma grande actriz e uma actriz consciente.”
“Os nossos parabéns à artista e ao teatro português por contar nas suas fileiras com o nome de Maria Barroso, a sua inteligência, a sua sobriedade, o seu talento a sua cultura e a sua encantadora modéstia”. (Hortense Almeida, 1946 : 5 )

Modas e Bordados, suplemento nº 1777 - 27 de Fevereiro de 1946 (arquivo "comjeitoearte")
Modas e Bordados, suplemento  nº 1872 - 24 de Dezembro de 1947 (arquivo "comjeitoearte")

Questionada sobre a ambição de fazer o curso de letras, Maria Barroso responde:

MB - (...) "O curso interessa-me, tem-me interessado sempre como elemento de cultura, mas só como elemento de cultura. Entendo que o artista quanto mais culto melhor servirá a arte. Gosto de estudar e tenho estudado sempre com prazer, embora hoje reconheça que o curso não me dará a cultura desejada".  
(...) "Mas a verdade é unicamente uma - quem quiser ser culto não pense sê-lo só por ter debaixo do braço um diploma de qualquer curso superior".(Hortense Almeida, 1946 : 11 )

Peça Os Maridos Peraltas e as Mulheres Sagazes (1945), Cª Rey Colaço - Robles Monteiro, Teatro Nacional. D. Maria II. Foto de Horácio Novais. Fotografia de cena: Beatriz Santos (D.Beatriz) e Maria Barroso (D. Rozaura), entre elas e debruçada sobre as costas do sofá está a actriz Maria José (Columbina, criada) Museu Nacional do Teatro- Matriznet
Maquete de cenário para a peça Os Maridos Peraltas e as Mulheres Sagazes (1945). Guache sobre papel. Autor: Lucien Donnat. Cª Rey Colaço - Robles Monteiro, Teatro Nacional. D. Maria II - Museu Nacional do Teatro- Matriznet

No decorrer da entrevista, a jornalista pergunta-lhe o que pensa da mulher portuguesa. 

MB - “Podemos dividir a mulher portuguesa em dois grupos. Um, formado pelas meninas e senhoras “bibelot” – frívolas e inúteis – o outro constituído por aquelas que acharam o verdadeiro equilíbrio e o mantêm com dignidade e inteligência. O primeiro, infelizmente, representa a maioria – o segundo, para mal de todas nós, não passa de uma escassa e confrangedora minoria. 
A mulher é ainda, na maioria dos casos, um fantoche dócil nas mãos dos preconceitos, mas, um dia, ela saberá libertar-se das algemas de ouro, cravejadas de brilhantes com que as têm acorrentado à rotina...”
(Hortense Almeida, 1946 : 11 )

Peça Os Maridos Peraltas e as Mulheres Sagazes(1945), Cª Rey Colaço - Robles Monteiro, Teatro Nacional D. Maria II. Fotografia de cena, em palco: D. Beatriz (Beatriz Santos); Lélio, marido de D. Beatriz (Henrique Santos); Balestra, o criado (Pedro Lemos); Columbina, a criada (Maria José); Florindo, marido de D. Rozaura (Augusto Figueiredo) e D. Rozaura (Maria Barroso) - Museu Nacional do Teatro- Matriznet

Maquete de cenário para a peça Os Maridos Peraltas e as Mulheres Sagazes” (1945). Guache e tinta da china sobre papel. Autor: Lucien Donnat. Cª Rey Colaço - Robles Monteiro, Teatro Nacional. D. Maria II - Museu Nacional do Teatro- Matriznet

O tema “Benilde ou a Virgem Mãe”, drama em 3 actos de José Régio, subiu à cena do Teatro D. Maria II, no dia 23 de Novembro de 1947. 

Na revista "Modas e Bordados", nº 1872 de 24 de Dezembro de 1947, a jornalista Maria Estrela Monteiro escreve: 

(...)"Foi Maria Barroso, uma jovem actriz que tanto nos promete, quem interpretou extraordinariamente bem, o arrojado papel de Benilde. Ela soube dar a justa medida, tão necessária na interpretação teatral e muito em especial quando se trata de peças no estilo desta de José Régio.
 “Maria Barroso é uma rapariguinha simples, despreocupada de qualquer vaidade, em suma, uma aluna do 4º ano de História e Filosofia. Possuidora de uma sólida e vasta cultura, ela dá às peças que interpreta, a par com o seu talento, a segurança de quem sabe o que está a fazer”. (Maria Estrela Monteiro, 1947: 4)

Peça "Benilde ou a Virgem Mãe"(1947) Cª Rey Colaço - Robles Monteiro, Teatro Nacional D. Maria II. Obra original de José Régio. Fotografia de cena, em palco as actrizes Amélia Rey Colaço, Maria Barroso e Augusto Figueiredo numa cena do 3º acto - Museu Nacional do Teatro- Matriznet
Filme "Benilde ou a Virgem Mãe"(1975). Obra original de José Régio. Realização e argumento de Manoel de Oliveira. Fotografia com os actores: Augusto Figueiredo (padre Cristóvão); Maria Barroso (Genoveva); Jorge Rola (Eduardo); Maria Amélia Matta (Benilde)- CINEPT 

A jornalista pergunta a Maria Barroso se a personagem "Benilde" foi a que gostou mais de representar durante a sua vida de teatro.

MB - "Foi sim . Se bem que julgue ser o meu género, o género a que chamo de “genica” (não é muito elegante a palavra mas é a que costumo empregar, por ser a mais eloquente neste caso), embora me interessem sobretudo os papéis humanos, as figuras de “raparigas muito deste mundo, o certo é que a Benilde me apaixonou. Gosto de trabalhar, de vencer ou, pelo menos, tentar vencer as dificuldades que se me deparam. A Benilde foi, no campo teatral, a maior dificuldade que se me deparou até hoje. Fiz um esforço, uma grande tentativa para vencê-la; pus nisso o melhor do meu trabalho e da minha vontade. Não consegui vencer? Paciência... Dos fracos não reza a história, não é verdade, Maria Estrela?(Maria Estrela Monteiro, 1947: 4)

Peça de Júlio Dantas "Antígona". Levada à cena pela Cª Rey Colaço Robles Monteiro no Teatro Nacional D. Maria II em 1946. Fotografia de cena com as actrizes: Mariana Rey Monteiro (Antígona) e Maria Barroso (Isménia) - Museu Nacional do Teatro - Matriznet

Figurino para "Isménia" (Maria Barroso) para a peça de Júlio Dantas "Antígona". Guache em papel sobre cartolina. Autor: Lucien Donnat. Encenação de Amélia Rey Colaço Robles Monteiro e Erwin Meyenburg. Levada à cena pela Cª Rey Colaço-Robles Monteiro no Teatro Nacional D. Maria II em 1946 - Museu Nacional do Teatro - OPSIS 


No final da entrevista a jornalista Estrela Monteiro agradece: 
“Obrigada, Maria Barroso, e creia que lhe desejamos sinceramente que muitas “Benildes” se lhe deparem no seu caminho para que as possa vencer como venceu esta”.(Maria Estrela Monteiro, 1947: 4)


Maquete de cenário (lado direito) para a peça de Júlio Dantas"Antígona". Guache em papel sobre cartolina. Autor: Lucien Donnat. Encenação de Amélia Rey Colaço, Robles Monteiro e Erwin Meyenburg. Levada à cena pela Cª Rey Colaço Robles Monteiro no Teatro Nacional D. Maria II em 1946 - Museu Nacional do Taetro -  OPSIS 

No teatro profissional, Maria Barroso participou em peças levadas à cena pela Companhia Brunilde Júdice-Alves da Costa (Sua Excelência, o Ladrão - 1944; Madre Alegria - 1944) e Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro (Auto da Pastora Perdida e da Velha Gaiteira - 1944; Comédia Nova dos Maridos Peraltas e das Mulheres Sagazes - 1945; Férias - 1945; Vidas sem Rumo - 1945; Frei Luís de Sousa - 1945; Antígona - 1946; Benilde ou a Virgem Mãe - 1947; Retablo de Maravillas - 1947; A Casa de Bernarda Alba - 1948, entre outras).



Peça "Férias" (1945) Cª Rey Colaço - Robles Monteiro, Teatro Nacional D. Maria II. Fotografia de cena, em palco as actrizes: Maria Barroso, Beatriz Santos, Maria José, Augusto Figueiredo, Meniche Lopes e Gabriel Pais. Foto de Horácio Novais - Museu Nacional do Teatro- OPSIS

No cinema, Maria Barroso teve participações em filmes de Armando Miranda (1947 - Aqui, Portugal), Paulo Rocha (1966 - Mudar de Vida) e Manoel de Oliveira (1975 - Benilde ou a Virgem Mãe; 1977 - Amor de Perdição; 1979 - Amor de Perdição; 1985 - O Sapato de Cetim - Prémio L'Age d'Or, pela Cinemateca Real da Bélgica, em 1985).


Maria Barroso morreu no dia 7 de Julho de 2015, no Hospital da Cruz Vermelha, em Lisboa, onde estava internada devido a uma queda. (Este post foi reformulado no dia 7 de Julho de 2015)


Filme "Mudar de Vida".(1966). Realização e argumento de Paulo Rocha. Prémio da Casa da Imprensa para Melhor Filme e 2º Prémio João Ortigão Ramos (19967)- CINEPT
Fotografia do filme "Mudar de Vida" (1966). Maria Barroso (Júlia). Realização e argumento de Paulo Rocha - CINEPT


Fontes:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Maria_Barroso
http://www.infopedia.pt/$maria-barroso-soares
http://www.prodignitate.pt/Curriculum_completo.pdf
http://caras.sapo.pt/
http://www.cinept.ubi.pt/pt/
http://www.amordeperdicao.pt/
Xavier, Leonor (1995), Um Olhar sobre a vida. Lisboa: Difusão cultural.



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