sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Máscaras e folias de Carnaval – Lisboa, séculos XVII a XX

Alegoria da Comédia Italiana, óleo sobre tela, século XIX, Columbano Bordalo Pinheiro - Palácio Nacional da Ajuda (na imagem, o Doutor, Arlequim, Pierrot e Columbina).

O uso da máscara é bastante amplo no tempo e no espaço. Ritual e festiva, intrigante e enigmática, ela encaixa-se em cenas de teatro, em cerimónias de iniciação e funerais, em rituais agrícolas, de caça ou guerra, na distinção do estatuto social ou em carnavais. Cada máscara reflecte as características da sociedade política e social, religiosa, cultural ou histórica que a criou. A "máscara" terminologia, pode ser estendida a muitas outras realidades: pinturas faciais, fantoches, tatuagens e cicatrizes, etc. 
A máscara faz parte do nosso dia-a-dia. Desde a máscara do apicultor à máscara do cirurgião, desde a máscara funerária à máscara de adorno, desde a máscara de oxigénio à máscara anti-gás, o seu uso, está associado com um lugar e tempo estritamente definido.


Mascarilha, 1910, Itália - The Metropolitan Museum of Art

Nos últimos séculos, destacaram-se dois tipos de máscaras: a mascarilha, elegante, discreta, criação da Renascença italiana; a caraça, caricatural, burlesca, herdeira das tradições da comédia grega. A primeira de veludo preto, ocultava a personagem de quem a usava; a segunda, criava de forma momentânea uma personalidade nova.

Carnaval em Lisboa, mascarados, 19.., foto de Carlos Alberto Lima - Arquivo Municipal de Lisboa

Em Lisboa, nos séculos XVII e XVIII, as autoridades consideraram prejudiciais à ordem e à disciplina social, ambos os tipos de máscara. Usadas de forma indevida, eram muitas vezes uma arma de dissimulação, assegurando a impunidade de inúmeros crimes. Perante estas situações, as Ordenações Filipinas ou Código Filipino, proibiram as máscaras nas ruas e nas procissões. No reinado de D. Pedro II (1648-1706), esta proibição foi renovada por um alvará em 25 de Agosto de 1689. Todo o mascarado encontrado na rua, era preso e enviado por quatro anos para Angola, com multa de cem cruzados para a obra-pia dos enjeitados. Com este procedimento, verificou-se uma diminuição do número de crimes e roubos.
Mascarilha, algodão, 1910, Itália - The Metropolitan Museum of Art

O alvará de 1689 caiu no esquecimento, deixou de ser cumprido e os jornais de meados do século XVIII (1742-1743), noticiam alguns crimes praticados na Lisboa de D. João V, sob o disfarce de mascarilhas. O alvará foi então cumprido com rigor. Excepcionalmente, as máscaras foram permitidas nas festas de touros.

Touradas no Terreiro do Paço, Lisboa, 1900-1945, foto de José Artur Leitão Bárcia (gravura, Dicionário da História de Lisboa, Paço da Ribeira, de Miguel Soromenho) - Arquivo Municipal de Lisboa

Para festejar a aclamação do rei D. José I, foram realizadas grandes touradas no Terreiro do Paço, com a intervenção de gigantes mascarados, com narizes postiços, que aguavam o terreiro depois da morte do touro. A moda agradou aos espectadores e nas touradas apareceram inúmeros espectadores mascarados. Não havia tourada, em que não ficassem meia dúzia de burgueses pacíficos trucidados. Outro alvará foi publicado, proibindo as máscaras nas corridas de touros (25 de Julho de 1765). Nesta época, o Carnaval era de uma enorme grosseria. Os ovos, a laranjada, o talco, o esguicho, os sonhos com pimenta, as filhós com estoupa e muitas outras coisas ainda, constituíam práticas selvagens e brutais.

O rei D. Luís I, mascarado de cavaleiro com armadura, 1865, litografia sobre papel (segundo foto de F. A. Gomes) - documento do Palácio Nacional da Ajuda.

A rainha D. Maria Pia, disfarçada com Dominó e mascarilha, 1865, foto de F. A. Gomes - documento do Palácio Nacional da Ajuda

 Retrato da rainha D. Maria Pia, vestida de varina (Ovar), séc. XIX - Palácio Nacional da Ajuda



 Rainha D. Maria Pia com máscara de Escocesa (1865). Palácio Nacional da Ajuda /IMC

Muitos dos nossos reis costumavam divertir-se no Carnaval, alguns deles mascaravam-se nas festas do paço: D. Fernando (filho de D. Duarte), mascarou-se de selvagem para um torneio em honra da irmã, futura imperatriz da Alemanha, D. Leonor; as rainhas, Maria Francisca de Sabóia, Sofia de Neubourg e Maria Ana de Áustria, introduziram na corte o baile de máscaras, participando na festa a figura de Arlequim, para distrair e animar os presentes; D. Pedro II e D. João V, disfarçaram-se de frades ou mendigos, em alguns Entrudos; D. José I, participava nas aventuras com os capotes brancos; a rainha D. Maria Pia, mascara-se de Varina, para os bailes dos duques de Palmela e o rei D. Luis I, de Hamlet; a rainha D. Amélia, passeia de carruagem nos festejos de Carnaval, na rua Garrett, no final do século XIX.  

Festejos de Carnaval, Rua Garrett. Vê-se  a carruagem com a rainha D. Amélia, 189.., foto Estúdio Mário Novais - Arquivo Municipal de Lisboa

O primeiro baile de máscaras público em Lisboa, realiza-se no teatro do Bairro Alto em 1823, acabando em confrontos. Alguns anos depois, em 1836, o teatro de S. Carlos organiza o primeiro baile, bem do agrado da aristocracia da época. As máscaras, sob a influência de Veneza e de Paris - Dominó, Columbina, Arlequim, Polichinelo, Pierrot - fazem do Carnaval uma festa d’Arte.

Salão nobre do teatro de S. Carlos, foto de Domingos Alvão, 1872-1946 - Arquivo Municipal de Lisboa 

Polichinelo, água forte, 1616, França - The Metropolitan Museum of Art


 
Pierrot rindo, 1855, Paris, foto de Nadar - The Metropolitan Museum of Art


 Arlequinete, desenho, primeira metade do século XX - The Metropolitan Museum of Art

Estudo para o teatro de Muñoz Seca, em Madrid, guache, 1929, José de Almada Negreiros - Museu do Chiado (Arlequim sentado, usando traje de losangos vermelhos e amarelos).

Nas ruas da Lisboa do século XIX, o corso, constituído por carros ornamentados, percorria as principais artérias da Baixa – Avenida da Liberdade, Rossio, Chiado – seguido pelos foliões: a “velha de capote e lenço” – sátira à moda do século XIX -  o “janota”, o “galego”, o "Xé-Xé". Esta foi a figura mais típica do Carnaval lisboeta até ao início do século XX (1910), é a caricatura do século XVIII, com a sua casaca de cores garridas, rendas de punho, um enorme bicorne, cabeleira, sapatos de fivela, luneta de vidro e bastão ornado de chavelho, também conhecido por “salsa” “peralta” ou “pisa-flores”, perdurou por cem anos. As Cegadas, com possíveis raízes nos autos medievais, eram farsas burlescas representadas nas ruas, tinham como temas as cenas da vida quotidiana.

Xé-Xé, festejos de Carnaval, Lisboa - Arquivo Municipal de Lisboa

Mascarados, festejos de Carnaval, Avenida da Liberdade, Lisboa, foto de Vasco Gouveia de Figueiredo - Arquivo Municipal de Lisboa

Crianças mascaradas, festejos de Carnaval, 1907, Lisboa, foto de Alberto Carlos Lima - Arquivo Municipal de Lisboa
  Mascarados, caricaturas dos empresários dos teatros, festejos de Carnaval, 1905, Lisboa, foto de Alberto Carlos Lima - Arquivo Municipal de Lisboa (1º José Ricardo Vale; 2º Afonso Tavareira e Portulez; 3º Fernando Maia; 4º Visconde São Luiz Braga e Sousa Bastos).

Rafael Bordalo Pinheiro cria a figura do Zé Povinho (aqui), e a caricatura política, passa a ser uma nova forma do Carnaval contemporâneo. 
"No Carnaval de 1880, palhaço entre máscaras célebres (Adriano Machado da justiça, o prior da Lapa, o Ávila e o Braamcamp, Rodrigues de Freitas republicano e o longo infante D. Augusto), Zé Povinho é apanhado por El-rei e pelo Mariano de Carvalho, que lhe augura a albarda de antemão aceite". (Augusto França, 1975: 79)
Em 1903, "o Zé, puxa um carro carnavalesco, que é o do Estado, bem alegórico, entre a dívida e o deficit, e rodado pelo José Luciano e o Hintze, da "rotação" partidária". (Augusto França, 1975: 91)

Desenho publicado no jornal "O António Maria, de Rafael Bordalo, 12 de Fevereiro de 1880 - França, José-Augusto (1975), Zé Povinho 1875. Lisboa: Grande Angular
 
Desenho publicado no jornal A Paródia, de Rafael Bordalo, 18 de Fevereiro de 1903 - França, José-Augusto (1975), Zé Povinho 1875. Lisboa: Grande Angular

Fontes: 
http://arquivomunicipal.cm-lisboa.pt
http://www.metmuseum.org/en
França, José-Augusto (1975), Zé Povinho 1875. Lisboa: Grande Angular
Dantas, Júlio (1969), Lisboa dos nossos avós. Lisboa: Município de Lisboa

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